Os maiores erros dos autores iniciantes


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Se eu nunca deixei claro isso, deixarei agora. Patrick Rothfuss é  o meu autor favorito no momento e admiro muito o trabalho de Vera Ribeiro na tradução, por ter mantido o ar do livro original.

Eu vi no blog dele o seguinte artigo, traduzido pelo blog 3 Canecas, alias gosto muito deles. E copiarei aqui - a tradução é do 3 Canecas eu só estou copiando porque gostei a beça.


Vagando pelo blog do Patrick Rothfuss, autor da trilogia “As crônicas do matador do rei”, aqui no Brasil publicado pela editora Arqueiro, encontrei um post que ele da um conselho a uma leitora que deseja escrever um livro de fantasia. O conselho é genial, apesar de enorme e vale a leitura.
Essa foi a carta que a fã de Patrick Rothfuss, Jan, escreveu para ele:
 “Pat,
 Eu amo seus livros e eu venho lendo seu blog durante anos, silenciosamente me escondendo. Não querendo tomar seu tempo com comentário, deixo uma carta.
Mas aqui está o problema, Após anos pensando sobre isso [escrever um livro]. Eu realmente comecei a escrever.
Pois é, grande surpresa, eu estou procurando por um conselho.
Eu sei que a maioria deles eu vou ter que aprender sozinha, e eu sei que você não terá o tempo de me dizer todos os macetes, que você tem aprendido durante todos esses anos. Mas eu estava esperando que você pudesse me contar uma coisa. Não algo que devo fazer, mas algo que devo evitar. Qual o maior erro que você vê novos escritores de fantasia cometendo?
Se você puder me contar qual é o erro, então quem sabe eu não consiga evitar este e cometer outros erros ao invés disso.
Com Amor,
Jan.”

E isso foi o que ele respondeu:

Ouunn … Amor de graça.
Bom Jan, o grande erro que eu vejo novos escritores cometendo são as apóstrofes no lugar errado. [No texto em inglês, ela usou apostrofe de forma errada].
Não, espera. Não chora. Só estou implicando com você. Eu faço piadas porque eu amo. Eu não uso piadas sobre erros gramaticais contra pessoas. Diabos, eu cometo o clássico erro it’s/its o tempo todo.
De qualquer forma, vamos ao coração do problema. Deixa eu te responder a pergunta do jeito que eu respondo todas as perguntas. Com uma história.
Meses atrás, eu estava sentado com Oot. Ele estava entrando naquela fase verbal onde se formula frases inteiras. E mais ao ponto da história: Ele estava aprendendo a contar.
Então, nós estávamos sentados e eu segurei um dedo e disse “um…”
Ele sabe onde quero chegar com isso. Contar é uma coisa nova, então ele está muito animado com isso.
“Um..” Eu disse novamente
Desta vez, ele entrou na brincadeira. “…dois, três. Quatro! Cinco! SEIS! OITO! DEZ! SEIS! TRÊS! SEIS!
Ele ficou bem animado depois do três. Ele fazia movimentos circulares com as mãos entusiasmadamente.  Em um bom dia, ele acerta todos os números até nove.
É perfeitamente natural, de verdade. Quando você tem alguma informação legal para mostrar, você acaba ficando muito animado.
Mais tarde naquele dia, ele estava lendo um livro com Sarah. Era a última página de um livro grande de Richard Scarry e tem grupos de coisas alinhados, simplesmente para contagem. Uma figura de uma baleia, duas figuras de mamutes, três porcos.
Você pegou a ideia.
Mamãe está ensinando a ele sobre Joaninhas e botões. Tem muitos deles. Muito mais do que dez.
Eu disse para Sarah que ela poderia sair, pra fazer suas coisas e me sentei com Oot.
Eu apontei para o livro. “Quantas morsas tem aqui”
Ele olhou para a página “um…dois…” ele olhou para o livro sério.
Tem uma pausa. Uma longa pausa. Ele franze a sobrancelha.
“Dois” ele diz.
“Bom trabalho” Eu disse, completamente entusiasmado. Isso é grande coisa. Estou orgulhoso dele. Ele realmente pensou e descobriu. E não simplesmente teve um palpite.
Eu apontei na linha de baixo da página “Quantos porcos?”
Ele olhou para os três porcos. “Um…Dois…Três”
Mas ele não parou por ai. Ele continuou. “Quatro! Cinco! Seis! SETE! DEZ! ONZE! MUITOS!” Ele terminou erguendo os braços acima da cabeça de modo triunfante.
É fofo pra caramba, de verdade. Mas o fato é, ele está errado. Ele foi induzido pela emoção.
E isso, Jan, é o maior problema que eu vejo nos novos autores de fantasia.
 *** 
 (Sim, isso é uma quebra de cena. Eu decidi que eu posso colocar uma quebra de cena se eu quiser)
 Você ve, uma das partes mais difíceis sobre escrever fantasia é descrever as coisas.
Agora, este problema não é exclusivo de livros de fantasia. Não importa o gênero do que você está escrevendo, você tem que descrever as coisas.
O problema é que em fantasia, existe muita coisa que você deve descrever.
Se você escreve um livro que se passa no mundo real, você pode assumir com certeza que seu leitor tem uma base de conhecimento. Eles conhecem Seattle e Paris. Eles vão saber o que internet é. Eles (quase certamente) vão  saber quem é Robin Hood. Eles (provavelmente) vão saber  quem Don Quixote é. Eles (talvez) vão saber  quem Cyrano De Bergerac é.
Mas quando você está escrevendo fantasia, especialmente fantasias de um mundo secundário (e por isso eu quero dizer fantasia em que a história acontece em um lugar diferente do nosso mundo) o leitor não sabe absolutamente nada sobre este mundo.
Agora na maioria das vezes, este é um dos pontos que mais vende nos livros. Uma grande parte da emoção do livro de fantasia de um mundo secundário é se maravilhar com a exploração. Nos conseguimos ver novos países, criaturas fantásticas, culturas diferentes, mágicas curiosas e etc.
E, honestamente, essa é uma das melhores coisas de ser um escritor de fantasia. Você pode construir castelos no céu e depois mostra-los pras pessoas.
Então é aqui que isso pode ir errado:

  1. Você cria algo para seu mundo de fantasia: uma criatura, uma cultura, um mito. Não importa.
  2. Você está orgulhoso da sua criação. Você está animado com isso. Você ama sua criação ferozmente.
  3. Você precisa descrever esta coisa para seu leitor, porque se eles não entenderem como aquilo funciona, sua história não faz sentido. (3.b. Não se esqueça, a história é o motivo pelo qual as pessoas estão lá. História é tudo. História é deus.)
  4. Então você começa a escrever sobre como as pessoas em Shire [ aqui ele começa sua menção a Senhor do Anéis]celebra seus aniversários (isso é importante, porque um dos primeiros maiores eventos do livro é uma festa de aniversário) e você fala sobre como hobbits dão os presentes em suas festas ao invés de receber os presentes (Isto é importante porque conta como Bilbo entrega o anel para Frodo). Então você começa a falar sobre como esses presentes são passados para frente, festa após festa. E como estes itens são chamados de Mathoms,  e como na verdade há um museu cheio de Mathoms em Michel Delving, que fica em Westfarthing de Shire como você sabe, Shire é composta por 4 regiões que tem seus nomes por causa das famílias proeminentes destas áreas,  sendo assim TookLand foi nomeada depois dos Tooks, que é a maior e mais velha família de Shire e de fato ainda possuem o título de Thain, que foi passado para eles pelos Oldbucks e enquanto o titulo é algo cerimonial nestes dias, devido aos tempos pacíficos … Quatro! Cinco! SETE! DEZ! SETE! MUITOS!
Você ve o que acontece? É fácil para um autor ficar tão entretido com os detalhes do mundo que ele criou que ele sai dos trilhos e dá mais informações do que o necessário para a história.
 Agora parece que eu estou implicando com Tolken. Mas eu vou falar novamente: Eu faço piada  porque eu amo. Eu cresci lendo Tolken e eu digo isso quase literalmente. Eu li O Senhor dos Anéis pelo menos uma vez por ano, durante toda a minha adolescência.
Devo dar o crédito: Tolken nos deu uma das melhores tradições do nosso gênero, de elaborar e tornar realístico o mundo que construímos.
Infelizmente, ele também deu a tradição de providenciar MUITA informação no começo da história.
Tolken é o grande percursor da fantasia moderna. O seu impacto no gênero é incomensurável.
De novo, eu amo Tolken. Mas o prólogo da Sociedade do Anel é uma das partes que mais existe informação inútil. Na pior das hipóteses, é como ler Leviticus.
(Ok, tudo bem, é mais como tentar ler Números,  mas você sabe o que eu quis dizer)
E sim, você pode argumentar que Letivicus é um capítulo no livro mais vendido do mundo.  Mas a chave disso tudo é que a bíblia não começa com Litivicus. A bíblia começa com ação. Logo no começo você tem mágica (“E que se faça a luz”). Você tem conflito, você tem desenvolvimento de personagens, drama, traição, exilo do paraíso. Estas são coisas excitantes. Genesis consegue fazer a história fluir. Está feito o gancho.
Por isso a bíblia venderia tão bem. Só depois de você se envolver na trama que Moises começa a descrever o mundo de forma meio maçante. Ele fez isso por uma razão. Se ele começasse a bíblia com uma grande quantidade de informação,  ficaria meio entediante. Nenhuma editora gostaria de publica-lo.
Então como evitar cair na armadilha de escrever muita informação?
Eu gostaria de te dar uma resposta fácil para isso, Jan. Mas a verdade é que eu poderia dar um curso de uma semana sobre como resolver esta simples questão. Há inúmeras armadilhas. Há 100 maneiras de fazer bem feito e 1000 de fazer errado.
O que torna esta questão tão difícil é que “muito” é tudo uma questão de gosto. Alguns leitores realmente querem ler todos os detalhes da dinastia Shi-Ang e como eles governavam com o uso de telepatia. Outros leitores só querem que você se apresse,  para chegar na parte em que a Irmandade inicia o ensinamento dos segredos do Beijo Eterno.
É também uma questão de estilo. Alguns escritores são melhores em expor do que outros.  Algumas palavras requerem mais explicações do que outras.
Minha filosofia pessoal é que você deve ter muita cautela. Dada uma opção, eu prefiro dar pouca informação e deixar você querendo mais, do que dar muita informação e arriscar deixar você entediado.
E sim, eu estou ciente da ironia de pregar “menos é mais” depois de ter escrito um livro de 400.000 palavras. Imagine o quão longo ficaria se eu não tivesse conscientemente diminuindo as descrições.
Na minha opinião, Jan, o que você pode fazer pra evitar este problema é ficar ciente de que isto É um problema.
Saber disso já é metade da batalha, e toda ela.



Só reintegrando: Eu amo esse cara.

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